“Se o direito de ganho pudesse sujeitar-se às leis da razão e da justiça, ficaria reduzido a uma indenização ou reconhecimento cujo máximo não ultrapassaria jamais, para um único trabalhador, certa fração do que ele é capaz de produzir; já o demonstramos. Mas por que o direito de ganho, não receemos chamá-lo por seu nome, o direito de roubo, se deixaria governar pela razão, com a qual nada tem em comum? O proprietário não se contenta com o ganho tal como o bom senso e a natureza das coisas lhe asseguram: quer ser pago dez, cem, mil, um milhão de vezes. Sozinho, não extrairia de sua coisa mais que 1 de produto e exige da sociedade, que não foi feita por ele, o pagamento não de um direito proporcional ao poder produtivo dele, proprietário, mas um imposto per capita; taxa seus irmãos segundo sua força, número e operosidade.”
Trecho de Pierre-Joseph Proudhon em ‘O Que É Propriedade’.
O que é direito a propriedade de outro? De onde ele surgiu? Surgiu do monopólio, da expropriação, da chacina, da guerra, do roubo. A propriedade individualizada é o roubo em si. A não ser que caso se comprove que um ser criador do Universo, ao criar a humanidade, tenha dado um contrato de posse de todas as terras a um indivíduo, e esta propriedade tenha sido repartida com seus herdeiros, e os herdeiros dos herdeiros, e por aí vai até os dias de hoje, não há justificativa de restringir um indivíduo de uma propriedade, em detrimento ao “direito” de outro. Principalmente quando esta Propriedade só é usada em favor do monopólio, usada para explorar a mão-de-obra de outro, para enriquecimento do proprietário. Então ela é duas vezes roubo e a origem dos crimes como bem esclarecido por Jean-Jacques Rousseau em ‘O Contrato Social’:
“O primeiro que tendo cercado um terreno se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdido se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém.”
Essa distinção onde um tem tem direito a propriedade e este fica restrito e inacessível aos demais. O qual Pierre-Joseph Proudhon em ‘O Que É Propriedade’ atribui a todo o princípio da desigualdade:
“Então, para que o direito de propriedade e o direito de lucro sejam respeitados em A, é preciso que sejam recusados a Z; conclui-se que a igualdade dos direitos, separada da igualdade das condições, pode ser uma verdade. Quanto a isto, é flagrante a iniquidade da economia política.”
Se a Propriedade possui a característica de dispor dela sem precisar prestar conta a ninguém, quem deu este direito? A resposta é fácil. O Estado. Mas o Estado é o pai de todos os crimes. E a Propriedade é a filha primogênita. A Propriedade é limitada, pois este é o conceito dela em essência, ela só serve para impedir o outro a ter acesso a ela. Ela em essência é a escassez, ou no mínimo, a geradora da mesma.
E ao contrário de uns liberais mais radicais dizem, a Propriedade não existe sem o Estado. E o governo sempre vai legislar a favor dos Capitalistas. A perpetuação da Propriedade através da legislação é explicada por Piotr Kropotkin em “Sobre o Governo Representativo ou Parlamentarista”:
“A missão do Estado, dizem-nos para nos cegarem melhor, – é proteger o fraco contra o forte, o pobre contra o rico, as classes trabalhadoras contra as classes privilegiadas”. Nós sabemos perfeitamente como os governos tem desempenhado esta função: tem-na compreendido perfeitamente ao contrário. Fiel à sua origem, o governo tem sido sempre o protetor do privilégio contra os que dele procuram libertar-se. O Governo representativo organizou principalmente a defesa, com a conivência do povo, de todos os privilégios da burguesia comercial e industrial contra a aristocracia por um lado, e contra os explorados por outro – modesta, delicada para com uns, feroz contra os outros. É por isso que a mais insignificante das leis protetoras do trabalho, por mais anódina que seja, não pode ser arrancada a um parlamento senão pela agitação insurrecional. Basta lembrar as lutas que se tiveram de sustentar, da agitação que teve de se fazer, para obter dos parlamentos ingleses, do conselho federal sulco, das câmaras francesas, algumas péssimas leis sobre a limitação das horas de trabalho. As primeiras leis deste gênero votadas na Inglaterra, não foram extorquidas senão pondo barris de pólvora sob os maquinismos das fábricas.”
A Propriedade existe pelo Estado, e o Estado existe para a Propriedade. Um não vive sem o outro. Mesmo que derrube o governo, nada garantirá o direito de Propriedade, logo ela será repartida. Se o “direito” de liberdade for mantido a força, volta-se ao feudalismo, o que constitui um proto-Estado. Uma propriedade privada, onde o senhor feudal determina tudo o que ocorre dentro de sua propriedade. Já em outra situação, se toma a propriedade através de uma insurreição, tal como a dos marxistas, e a estatiza através de uma ditadura do proletariado, por exemplo, a Propriedade é perpetuada em monopólio, a sociedade continua sem acesso. Apenas muda-se o proprietário, agora o “patrão” é o Estado, a sua administração fica a critério de uma classe vanguardista no governo. É por isso que nós anarquistas combatemos tanto a propriedade individual quanto o Estado, pois um não existe sem o outro como explicado por Errico Malatesta em ‘O Estado Socialista’:
“Os anarquistas o repetiram milhares de vezes, e toda a História o confirma: a propriedade individual e o poder político são dois elos de uma mesma corrente que esmaga a humanidade; são como dois fios da lâmina do punhal de um assassino. É impossível libertar-se de um se não se liberta também do outro. Se abolirem a propriedade individual sem abolir o Estado, ao que ela se reconstituirá graças aos governos. Se abolirem o governo sem abolir a propriedade individual, os proprietários reconstituirão o governo.”
É assim que entendemos que estas duas alianças Estado e Capital permanecem para a opressão da sociedade. E elas estão fortemente relacionada uma com as outras a ponto até de se fundirem, como Jean Bacal disse em ‘Pierre Joseph Proudhon – Pluralismo e Autogestão’: que “há no Estado opressor, propriedade de poder, como também há, na propriedade exploradora, estado de dominação”. Um não vive sem o outro, é uma simbiose perfeita, criando o maior de todos os predadores.
O que é Capitalismo? É o trabalho alheio em detrimento ao enriquecimento do Proprietário. É o acúmulo de propriedade, com o objetivo de escassez. E é a especulação supostamente chamada de investimento, como bem descrito por Mikhail Bakunin em ‘O Sistema Capitalista’:
“Assim, a produção constituída, monopolizada, explorada pelo capital burguês, é direcionada, nesse sentido, para a competição mútua entre os capitalistas, de modo a concentrá-la ainda mais nas mãos de um número cada vez menor de poderosos capitalistas, ou em conglomerados de empresas, que, tendo posse de seu capital consolidado, são mais poderosas que os maiores capitalistas tomados isoladamente (e os pequenos e médios capitalistas, não tendo a capacidade de produzir pelo mesmo preço que os grandes capitalistas, naturalmente sucumbem nessa batalha mortal).”
Somente o trabalho gera a riqueza. Isto por questões naturais e de analise de justiça, pois como a Propriedade seria um privilégio de poucos se não estivesse associada ao esforço? E não dá para defender a Meritocracia, conforme defendem alguns equivocados defensores do Capitalismo, pois a teoria da Propriedade prova-se que o monopólio da mesma anula toda a possível meritocracia, já que quem detém a Propriedade, pode lucrar sobre quem não tem, como veremos melhor mais para frente.
A base do Capitalismo não é trabalho, poupança e investimento. Não é trabalho, pois quem não trabalha, detém o Capital, e quem trabalha, lhe resta a pobreza. O capitalismo é a oficialização do monopólio da Propriedade através do Capital. Não é poupança, pois um recurso guardado perde valor, se ganha valor é através de especulação ou da escassez. Não é investimento, pois todo investimento é uma especulação, já que a única fonte de riqueza é a produção através do trabalho. Também em ‘O Que É Propriedade’, Proudhon explica sobre como a Propriedade aliena:
“A bancocracia mudou seu caráter e suas ideias. Outrora viviam entre eles como patrões e assalariados, vassalos e suseranos; agora não se conhecem mais a não ser como tomadores de empréstimo e usurários, ganhadores e perdedores. O trabalho desapareceu ao sopro do crédito; o valor real se esvai diante do valor fictício, a produção diante da agiotagem. A terra, os capitais, o talento, o próprio trabalho, se em lugar algum ainda há trabalho, eles a esperam de um lançamento de dados. O crédito, dizia a teoria, tem necessidade de uma base fixa; e eis justamente que o crédito pôs tudo em movimento. Só se encosta, acrescentava ela, a hipotecas; e faz correr essas hipotecas. Ele procura garantias; e como, a despeito da teoria que só quer ver garantias nas realidades, a garantia do crédito é sempre o homem, porque é o homem que faz valer a penhora e porque sem o homem a garantia seria absolutamente ineficaz e nula, ocorre que o homem, não se agarrando mais às realidades, com a garantia do homem a penhora desaparece e o crédito permanece o que ele em vão se gabava de não ser, uma ficção.
O crédito, numa palavra, à força de desvincular o capital, terminou por desvincular o próprio homem da sociedade e da natureza. Nesse idealismo universal, o homem não se apega mais ao solo; é suspenso no ar por um poder invisível. A terra esta coberta de habitantes, uns nadando na opulência, outros hediondos de miséria, e ela não é possuída por ninguém. Ela só tem senhores que a desdenham e servos que a deixam, pois não a cultivam para eles, mas para um portador de cupons que ninguém conhece, que não verão nunca mais, que talvez passará de novo por essa terra sem olhá-la, sem desconfiar que é dele. O detentor da terra, isto é, o possuidor de inscrição de renda, se assemelha ao mercador de bricolagens; em sua carteira tem sítios, pastagens, ricas colheitas, excelentes parreirais; que lhe importa! Esta pronto a ceder tudo em troca de dez centavos de alta; à noite vai se desfazer de seus bens, da mesma forma que os havia recebido pela manhã, sem amor e sem pesar.
Assim, pela ficção da produtividade do capital, o crédito chegou à ficção da riqueza; a terra não é mais a fábrica do gênero humano, é um banco; e se fosse possível que esse banco não fizesse sem cessar novas vítimas, forçadas a pedir de novo ao trabalho a renda que perderam no jogo e, com isso, sustentar a realidade dos capitais; se fosse possível que a bancarrota não viesse interromper de tempos em tempos essa infernal orgia, o valor da garantia baixando sempre enquanto que a ficção multiplicava seus papéis, a riqueza real se tornaria nula e a riqueza subscrita cresceria ao infinito.”
Agora como poderia haver meritocracia, sendo que uns ganham mais pelos outros e o fator da constante desta equação não estão relacionados com o ganho e o trabalho, poderia dizer que estão quase que inversamente proporcionais. Na verdade o proprietário não precisa nem trabalhar.
Acaso é totalmente permitido no capitalismo, um proprietário inapto para o trabalho, inapto para a gestão, e inapto para criar enriquecer ainda mais. Para isto basta ele dispor de acúmulo de bens. Ele pode contratar pessoas aptas no que ele não é apto para exercer o trabalho para ele; ele paga alguns gestores, paga alguns trabalhadores, alguns desenvolvedores, e alguns vendedores. Para ele, nada de trabalho, apenas o lucro. Algo que é comum visto fora muito bem relatado por Piotr Kropotkin em ‘A Conquista do Pão’:
“Um homem ou um grupo, possuindo o capital necessário, monta uma empresa industrial; encarrega-se de alimentar a manufatura ou oficina de matéria prima, de organizar a produção, de vender os produtos manufaturados, de pagar aos obreiros um salário fixo; enfim, embolsa o excedente valor ou os lucros a pretexto de se indenizar da gerência, do risco que correu, das flutuações de preço que a mercadoria sofreu no mercado.
Eis todo o sistema do “salariado”. Para salvar este sistema, os detentores atuais do capital estariam prontos a fazer certas concessões: repetir, por exemplo, uma parte dos lucros com os trabalhadores, ou então estabelecer uma escala de salários, que os faça elevar quando o lucro sobe: em suma, consentiriam em certos sacrifícios, contanto que conservassem o direito de gerir a indústria e de guardar os benefícios.”
Mas e se revertermos a situação. Um indivíduo é apto para trabalhar, gerir e desenvolver o seu produto ou serviço. Mas não tem ao seu dispor recursos para investir no negócio. O que resta a ele? “Vender” a sua mão de obra em detrimento de enriquecimento de outro. Ou se enforcar com um investidor, que fará especulação com o seu próprio negócio. Ele irá trabalhar, e o outro lucrar sem sequer trabalhar.
O investidor… o investidor é como o primeiro caso, porém mais evoluído, ele não está mais preso a uma empresa, a sua vida não depende mais do sucesso de um único negócio. Ele tem ao seu dispor recursos vindos de várias empresas. E estes recursos são através da especulação, e da redução de custos (e isso inclui o valor pago aos trabalhadores). Isto além de ser exploratório, é um sistema inflacionário.
Quando um produto que valeria determinado preço através do que é produzido por ele, é monopolizado, especulado, e superfaturado, inflaciona-se a moeda em detrimento daquele que a monopoliza. A partir daí perpetua-se toda a exploração e injustiça, como Pierre-Joseph Proudhon deixa bem claro em “O Que É Propriedade”:
“O valor absoluto de uma coisa é, pois, o que custa em tempo e, despesa: quanto vale um diamante que apenas teve que se apanhar da areia? – Nada; não é um produto do homem. – Quanto valerá quando estiver talhado e montado? – O tempo e a despesa que tiver custado ao operário. – Então, porque se vende tão caro? – Porque os homens não são livres.
A sociedade deve regular a troca e a distribuição das coisas mais raras como a das coisas mais vulgares, de maneira que cada um possa tomar parte nisso e daí fruir. – Que é então o valor de opinião? – Uma mentira, uma injustiça e um roubo.”
Proudhon não negava que o valor era variável, mas não concordava que o valor pudesse ser tão suscetível a especulação como a maioria dos liberais defendem: “Mas essa variação não é a dos economistas que, nas causas da variação dos valores, confundem os meios de produção e o gosto, o capricho, a moda, a opinião.”
Isto fica bem claro com o exemplo do diamante, que em 1930s a De Beers’s usou de forte cunho publicitário para valorizar o diamante e torná-lo a pedra preciosa que é hoje. Mas uma década antes disso, ela garantiu o monopólio, conseguiu controlar 90% de todo o mercado mundial de diamantes. Assim acumularam o diamante e geraram uma escassez artificial para superfaturar o preço.
O monopólio é construído através da força, seja esta do proprietário ou do Estado. Por si só se prevê que a Propriedade é artificial e danosa, pela constante necessidade de coerção para garanti-la. Pois é natural que toda a sociedade se beneficie de espaço o suficiente para trabalhar e colher os frutos de seu trabalho. Se não há tal possibilidade, que lhe é roubada através do monopólio, o indivíduo se subjuga a trabalhar para outro. Sem coerção e força é impossível manter este modelo. Sem que a sociedade alheia ao seu direito tomar de volta o que é seu, ou o que deveria ser.
O lucro gera inflação. Em um sistema de trocas complexas, o lucro representa o valor das partes comercializadas, com exceção do valor de custos de produção mais o valor do trabalho. Uma economia baseada em lucro, irá sempre fazer com que o produto valha mais e mais, pois além do valor de fato da produção, será incluso o valor do lucro. A consequência disso é a desvalorização do trabalho, pois a produção sempre é reduzida em detrimento do lucro, mas o produto é vendido cada vez mais caro, e o trabalhador cada vez mais desvalorizado.
Sendo assim Proudhon em ‘Sistema das Contradições Econômicas ou Filosofia da Miséria’ apresenta, com base em Ricardo, a insustentabilidade do valor abstrato ou variável:
“Ora, como o Journal des Économistes prova que não há medida de valor? Sirvo-me do termo consagrado, pois mostrarei daqui a pouco que esta expressão medida de valor contém algo de suspeito e que não traduz exatamente aquilo que queremos, aquilo que exatamente se deve dizer.
Este jornal repetia, acompanhando-a de exemplos a exposição que acima fizemos sobre a variabilidade do valor, mas sem atingir, como nós o fizemos, a contradição. Ora, se o estimável redator, um dos economistas mais destacados da escola de J. B. Say, tivesse hábitos dialéticos mais severos, se ele tivesse a mão longamente exercitada não apenas em observar os fatos, mas também em buscar a sua explicação nas idéias que os produzem, eu não duvido que ele teria se expressado de maneira mais reservada e que, ao invés de ver na variabilidade do valor a última palavra da ciência, ele teria reconhecido por si mesmo tratar-se apenas da primeira. Refletindo que a variabilidade no valor procede não das coisas mas do espírito, ele ter-se-ia dito que, assim como a liberdade do homem possui a sua lei, o valor deve ter igualmente a sua e, consequentemente, que a hipótese de uma medida do valor, posto que é assim que nos exprimimos, nada tem de irracional; ao contrário, é a negação da existência de tal medida que é ilógica e insustentável.
E de fato, aonde a idia de medir, e conseqüentemente fixar, o valor repugna à ciência? Todos os homens acreditam nesta fixação, todos a querem, a buscam e a supõem; cada proposição de venda ou de compra nada mais é, no final das contas, que uma comparação entre dois valores, é uma sua determinação, mais ou menos justa se assim o quisermos, mas efetiva, A opinião do gênero humano sobre a distância que existe entre o valor real e o preço do comércio é, por assim dizer, inânime. É isso que faz com que tantas mercadorias se vendam a preço fixo; é isto mesmo que prova que, até nas suas variações estes valores encontram-se fixados: este é o caso do pão por exemplo. Ninguém negará o fato de que se dois industriais podem trocar, com base no crédito, recíproca e mutuamente, mercadorias a preço fechado e em quantidades especificadas, que dez, cem ou mil não o possam fazer igualmente. Ora, isto seria precisamente ter resolvido o problema da medida do valor. O preço de cada coisa seria debatido, eu concordo, pois o debate é para nós a única maneira de fixar o preço; mas enfim, como toda a luz brota do choque, o debate, embora seja uma prova de incerteza, tem por fim, abstraindo-se, a maior ou menor boa-fé que nele se introduz, descobrir a razão dos valores entre si, isto é, a sua medida e a sua lei.”
A luta anticapitalista é uma luta contra toda a opressão do povo, seja estatal ou econômica. Não tem como combater o Estado e não combater o Capital, e o mesmo que não tem como combater o Capital se não combater o Estado. É por isso que o Anarquismo não colabora com o Socialismo, pois a luta do capitalismo é para a emancipação da sociedade, contra o Monopólio. A Propriedade Privada precisa ser derrubada, e todo o indivíduo deve ter acesso a ela, ou seja, deixar de ser privada. É a Propriedade a causa de toda a desigualdade, como muito definido por Jean-Jacques Rousseau em ‘Discurso Sobre a Origem e dos Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens’:
“A propriedade privada introduz a desigualdade entre os homens, a diferença entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo, até a predominância do mais forte. O homem é corrompido pelo poder e esmagado pela violência.”
Assim compreendemos que não há liberdade sem o fim do Estado e do Capital. E que toda proposta que não visa eliminar estes dois não passam de mero engodo. Muito menos acreditar que através do governo é possível administrar a escassez, já que este é quem a garante.
A luta anarquista rompe com os grilhões da sociedade, e estabelece o domínio da mesma, sem a estruturação de nenhum mecanismo de coerção, que gera opressores. Por isso concluímos com uma constatação de Kropotkin em ‘A Conquista do Pão’ por uma sociedade sem opressão:
“É uma brincadeira de mau gosto. O que queremos não é amontoar os paletós para depois distribuir, embora os que tiritam de frio sempre tivessem alguma vantagem. Também não é repartir os escudos de Rothschild. É organizar-nos de modo que a cada ser humano que vem ao mundo seja assegurado, em primeiro lugar aprender um trabalho produtivo e se habituar a ele; depois, de poder fazer esse trabalho sem patrão e sem pagar açambarcadores da terra e das máquinas a parte do leão sobre tudo o que produzir.
Quanto às riquezas dos Rothschilds e dos Vanderbilts, elas nos servirão para organizar melhor a nossa produção em comum. No dia em que o trabalhador do campo puder lavrar a terra sem pagar metade do que produz; em que as máquinas necessárias para preparar a terra para as grandes colheitas estiverem com profusão à disposição dos cultivadores, o obreiro de oficina produzir para a comunidade e não para o monopólio, os trabalhadores não andarão esfarrapados e não haverá mais Rothschilds e quejandos. Ninguém terá de vender o seu trabalho por um salário que represente só uma parte do que produziu.
Dirão: “Mas virão Rothschilds de fora. Podereis impedir que venha estabelecer-se entre vós um indivíduo que juntou milhões na China, que se rodeie de trabalhadores assalariados, que os explore e enriqueça à sua custa? Fareis a revolução em toda a terra ao mesmo tempo? Ou estabelecereis alfândegas nas fronteiras para revistar os que chegam e apreender o ouro que trouxerem? – Guardas anarquistas fazendo fogo sobre quem passa há de ser divertido.”
Há aí em erro grosseiro. Ninguém jamais quis saber donde vêm as fortunas dos ricos. Um pouco de reflexão basta para mostrar que a origem dessas fortunas é a miséria dos pobres.
Onde não houver miseráveis, não haverá mais ricos para os explorarem.
É na idade media que as grandes fortunas começam a surgir.
Um barão feudal faz mão baixa num fértil vale. Mas enquanto esta campina não está povoada, o barão não é nada rico. A terra não lhe rende nada, é o mesmo que possuir bens na lua. Que vai fazer o barão para se enriquecer?
Procurará camponeses.”
Concluímos que a miséria só terá fim quando todos tiverem acesso a Propriedade, e para tal não poderá haver nenhum grupo econômico ou político gerindo-a. É nisto que se baseia toda crítica ao Capitalismo feita pelos anarquistas: a Propriedade sendo de todos é a única forma de eliminar a exploração.